sexta-feira, 10 de abril de 2009

"Quintas", Dia de Ricardo Araújo Pereira


Queres protocolinho?
Diz o protocolo que ninguém pode tocar na rainha de Inglaterra (como durante anos foi evidente, o protocolo não impõe a mesma regra à princesa de Gales)

A acreditar na imprensa nacional e internacional, os dirigentes do G20 passaram quase dez minutos a discutir a solução para a crise mundial e o resto do tempo a reinventar o protocolo, a quebrar o protocolo e, ocasionalmente, a seguir o protocolo.
Escreveram-se várias páginas sobre o jantar que Brown ofereceu às mulheres dos governantes. Parece que os canapés estavam formidáveis, mas as opiniões dividem-se quanto ao convite que a anfitriã fez a Naomi Campbell, a modelo que arremessa telemóveis aos empregados, e quase toda a gente reprovou que tivesse convidado a sua própria mãe, por muito que a senhora não tenha historial de arremesso de aparelhos de telecomunicação.
A indisposição da rainha com os gritos de Berlusconi, durante a fotografia de grupo oficial, também foi longamente analisada. Há quem diga que Berlusconi se comportou como um arruaceiro malcriado, outros dizem que estava apenas a ser italiano, outros ainda defendem que é quase impossível distinguir aqueles dois padrões de comportamento.
Nenhum observador deixou de registar também a troca de presentes entre a rainha e o casal Obama. O presidente dos Estados Unidos ofereceu a Isabel II um iPod contendo imagens da visita que a rainha fez à América, e a rainha ofereceu a Obama uma fotografia sua acompanhada do marido, o Duque de Edimburgo. Sempre me fez confusão que a rainha, sendo rainha, não tivesse conseguido melhor marido do que um duque, mas guardarei essa reflexão fascinante para outra ocasião. O que me interessa notar neste momento é o facto de a generalidade dos analistas ter considerado gentil uma troca de presentes que me parece, em ambos os casos, profundamente ofensiva: Obama recordou à rainha a visita que ela fez a um território que já foi administrado pela família dela e que agora é administrado pela família dele; a rainha, mesmo sendo chefe de um país que tem, no campo da fotografia, tradições como a da página dois do jornal The Sun, oferece ao presidente americano uma foto de dois gerontes. Cada uma à sua maneira, ambas as atitudes constituem desconsiderações revoltantes.
O caso mais delicado foi, no entanto, a transgressão protocolar levada a cabo por Michelle Obama e pela rainha. Diz o protocolo que ninguém pode tocar na rainha de Inglaterra (como durante anos foi evidente, o protocolo não impõe a mesma regra à Princesa de Gales), mas a mulher de Obama abraçou-a, e a rainha, em lugar de a censurar, abraçou-a de volta. O ódio entre representantes de países diferentes pode levar o mundo à ruína, mas o afecto também cria incidentes diplomáticos graves. As relações internacionais são complicadas do ponto de vista político, mas do ponto de vista afectivo são ainda mais complexas.
Ainda no âmbito da visita de Barack Obama à Europa, uma última nota sobre o papel desempenhado por Durão Barroso, que foi nenhum. Devo confessar, no entanto, que estou preocupado com o estado de saúde de Durão Barroso. Primeiro, porque Durão Barroso está a ficar sem sobrancelhas. Não se trata de uma metáfora política, estou a ser literal: neste momento, Barroso tem apenas três ou quatro pêlos em cima de cada olho, o que é razoavelmente inquietante. Segundo, temo pelas costas do nosso antigo primeiro-ministro. Obama veio lamentar a política internacional seguida por Bush e prometeu um novo rumo. Barroso, que na cimeira dos Açores ajudou Bush a concretizar a política que Obama critica, disse agora estar maravilhado com a mudança prometida pelo novo presidente. São pinotes que devem fazer mal à coluna.

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