quinta-feira, 23 de julho de 2009

"Quintas", Dia de Ricardo Araújo Pereira

Tu andas na lua, homem
O mundo ficaria substancialmente diferente se deixassem de ser ficção as histórias daqueles filmes em que um canalizador acaba de consertar a torneira de uma senhora que, além de envergar apenas um avental, constata nesse momento que não possui quaisquer meios convencionais de pagamento de bens ou serviços

Quarenta anos depois, a ida do homem à Lua continua a impressionar-nos: como é possível que a humanidade tenha colocado dois ou três astronautas em solo lunar, mas continue sem conseguir parar a aparentemente irreversível queda de cabelo que me vai devastando a pelagem do osso frontal? Tenho muito apreço pela investigação científica e pelo valor simbólico da ida à Lua, mas emocionar-me-ia mais se a minha testa não estivesse a ficar mais ampla. Custa a entender que se avance para a Lua antes de estarem resolvidos alguns dos mais graves problemas da Terra, no topo dos quais está a calvície, especialmente a minha. Confesso que já fui menos sensível aos problemas dos carecas, mas vou ficando cada vez mais chocado com a ida à Lua à medida a que a minha cabeça se vai assemelhando à superfície lunar.

Não sou, evidentemente, o único desiludido com a viagem que faz agora 40 anos. Muitos escritores não podem deixar de ter sentido a aventura da NASA como um cínico ataque às suas obras: desde que Neil Armstrong pôs o pé na Lua, boa parte da ficção científica deixou de ser ficção. E, até certo ponto, científica. A saga de Hans Pfaall, o herói de Edgar Allen Poe que chega à Lua a bordo de um balão de ar quente, perde impacto quando comparada com o relato real do feito de 1969. A história de Michel Ardan, que, em Da Terra à Lua, Júlio Verne projecta para a Lua com uma espécie de canhão, deixa de ser fantástica se cotejada com a história de Neil Armstrong e seus colegas. E a proeza do Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand, que diz ter saído da Terra após um banho de mar sob a luz da Lua cheia, a qual teria atraído a água dos seus cabelos como faz com as marés, só mantém algum do seu interesse porquanto mistura a ida à Lua com o tema do cabelo - sugerindo, aliás, que a viagem lunar está vedada aos carecas, o que uma vez mais se lamenta.

A observação de que o passeio lunar dos americanos esvaziou a ficção científica é, no entanto, corriqueira. Pessoalmente, não me interessa o modo como a realidade ultrapassou certa ficção, mas o contrário: a possibilidade de que certa ficção se transforme também em realidade. Que outras histórias de ficção podem vir a tornar-se reais, após a chegada à Lua? Um monstro de Frankenstein verdadeiro seria interessante. Uma viagem no tempo, também. Mas, sobretudo, o mundo ficaria substancialmente diferente se deixassem de ser ficção as histórias daqueles filmes em que um canalizador acaba de consertar a torneira de uma senhora que, além de envergar apenas um avental, constata nesse momento que não possui quaisquer meios convencionais de pagamento de bens ou serviços. Eis um projecto no qual a NASA poderia investir com o meu beneplácito. Num mundo assim, ao que tenho visto, até os carecas se divertem.

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