sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

"Quintas", Dia de Ricardo Araújo Pereira


Liberdade de pressão
Quando o primeiro-ministro Cavaco Silva disse que dedicava apenas cinco minutos por dia aos jornais, houve indignação. Agora, há saudade

É uma questão que tem sido colocada várias vezes: a internet vai acabar com os jornais? Finalmente, temos a resposta: só se José Sócrates não acabar com eles primeiro. O primeiro-ministro tentou controlar o défice e não conseguiu, tentou controlar o desemprego e não conseguiu, tentou controlar a comunicação social e esteve perto de conseguir. Acaba por ser justo que o plano tenha falhado. Era o que faltava que Sócrates fosse eficaz no que lhe interessa e ineficaz no que interessa ao País. Este caso tem essa dimensão muito reconfortante: ora até que enfim que o primeiro-ministro sofre com a inabilidade política do primeiro-ministro. Apesar disso, todos gostaríamos que José Sócrates colocasse nos assuntos do Estado o mesmo empenho que coloca nos seus assuntos. Que, em vez de Mário Crespo, o desemprego fosse um problema que teria de ser solucionado. Que, em lugar de uma operação financeira para adquirir a TVI, se empenhasse numa operação financeira para reduzir o défice. Talvez falhasse na mesma, mas ficaríamos com a sensação de que teria feito um esforço maior.

Quando o primeiro-ministro Cavaco Silva disse que dedicava apenas cinco minutos por dia aos jornais, houve indignação. Agora, há saudade. Quem nos dera que o actual primeiro-ministro gastasse apenas cinco minutos do seu dia a pensar nos jornais. Pelo contrário, parece estar interessado em fazer com que bastem cinco minutos para os ler todos: ou porque os jornalistas, a contas com processos judiciais interpostos por ele, não têm tempo para escrever mais que duas ou três páginas, ou porque os que sobram fora dos tribunais escrevem todos o mesmo. Algo de muito grave se passa quando o País suspira pela liberdade de imprensa dos tempos de Cavaco Silva.

Neste momento, Portugal tem um primeiro-ministro que mais depressa se demite por causa das finanças regionais do que por causa da liberdade de imprensa. Trata-se de um homem que quer ser primeiro-ministro para mandar na TVI. Mais do que a ofensa à democracia e à liberdade, o que não se lhe perdoa é a falta de gosto. E um insuportável centralismo: um homem que recebe do povo o poder de governar o País inteiro, mas que deseja sobretudo mandar em Queluz. O mandato que lhe deram nas eleições é manifestamente exagerado.

Apesar de tudo, Sócrates tem uma virtude inestimável: conseguiu fazer despertar um
amor pela liberdade de expressão em quem nunca mostrou que lhe tivesse sequer amizade. É bonito que o espírito antidemocrático seja um veículo de democratização. Confuso, mas bonito.

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