sexta-feira, 24 de abril de 2009

"Quintas", Dia de Ricardo Araújo Pereira

Um recado contra todos os recados
Manuela Ferreira Leite percebeu esta semana que, quando faz conferências de Imprensa, ninguém liga, mas quando o Kalu canta uma canção, vem na primeira página do Público. Deve doer.

A vida de José Sócrates está tão difícil que, por mais que um cidadão queira recriminá-lo pela crise em que mergulhou o País, não pode deixar de admirar a crise em que ele mergulhou a sua própria vida. Os portugueses podem estar em apuros, mas o certo é que o primeiro-ministro, talvez por solidariedade, não dorme mais descansado. E, esta semana, a situação atingiu uma gravidade inimaginável: que o povo contasse anedotas, tolerava-se; que a oposição criticasse, admitia-se; que ingleses avulsos o acusassem de corrupção, lá se ia aguentando. Mas se os Xutos e Pontapés fizessem uma música a chamar-me nomes, eu não sei se resistiria. José Sócrates tem de viver sabendo que o Tim não aprecia o seu trabalho. Custa. E Manuela Ferreira Leite percebeu esta semana que, quando faz conferências de imprensa, ninguém liga, mas quando o Kalu canta uma canção, vem na primeira página do Público. Também deve doer.
Os recados de Cavaco Silva acabam por vir na melhor altura para Sócrates. Quem aguenta a censura dos Xutos, está pronto para tudo. Por isso, quando Cavaco disse, no Congresso Associação Cristã de Empresários e Gestores, que o Governo devia resistir à tentação das medidas eleitoralistas e dedicar-se a sério à crise, o primeiro-ministro deve ter bocejado. Eu, confesso, não bocejei. Tenho pela Associação Cristã de Empresários e Gestores um fascínio enorme, na medida em que não consigo lembrar-me de actividade mais cristã do que a gestão de empresas. Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, definir critérios de racionalização e produtividade como Jesus definiu - não é o que diz a canção? Tudo o que é dito no âmbito de iniciativas levadas a cabo por aquela organização me interessa. E, além disso, interessa-me tudo o que é dito a propósito do que foi dito nessas iniciativas. É essa a razão pela qual recebi com particular atenção as declarações de Sócrates, segundo o qual o País não precisa da política do recado. O problema é que, quando diz que Portugal dispensa a política do recado, Sócrates está, infelizmente, a dar um recado - que, ao que parece, é precisamente aquilo que Portugal dispensa.
Percebo a preocupação de quem teme a deterioração das relações institucionais entre Cavaco e Sócrates, mas não creio que haja motivo para inquietação. O recado é a versão política do bilhetinho adolescente. Os namorados passam o dia juntos, mas durante as aulas não deixam de manter o contacto através de bilhetinhos. O Presidente e o primeiro-ministro reúnem-se uma vez por semana, mas não conseguem evitar a troca de recados nos outros dias. Sócrates, apesar da incoerência filosófica que já enunciei, respondeu satisfatoriamente ao recado do Presidente. Mas continuamos todos à espera do que terá a dizer a Kalu.

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